CONTOS

SAUDADE

Aluizio Belisário

Há muito tempo atrás, quando os homens ainda não habitavam a terra e os bichos falavam, a água do mar era doce como as águas que correm nos rios.

Reinava a paz e a tranquilidade na terra e todos os bichos e plantas viviam felizes a se amar.

Os pombos e pombas passavam as noites a arrulhar, as heras se entrelaçavam nos troncos das árvores num abraço gostoso, as baleias passavam os dias alegremente, a esguichar água umas nas outras, os lagartos estiravam-se ao sol durante o dia e à noite corriam em busca de pedras quentes onde pudessem descansar.

Assim eram os dias naquela época, com todos os bichos e plantas felizes - tristeza era uma coisa de que nunca haviam ouvido falar.

Um dia, em meio a toda esta paz, um peixinho azul, que vivia nadando pelos mares, passava perto de uma praia muito bonita cercada de enormes palmeiras, quando teve sua atenção despertada para uma linda estrela do mar que sorria encantada com o movimento das águas que a balançavam suavemente de um lado para outro.

O peixinho azul, que conhecia tantos lugares no mundo e tantas coisas bonitas, arregalou o mais que pode seus grandes e brilhantes olhos, admirado com a incrível beleza da estrelinha e ficou um bom tempo parado, com suas nadadeiras quietinhas, para não fazer qualquer ruído que assustasse a estrelinha.

Logo, porém, aproximou-se dela, a fazer piruetas, com uma agilidade tão grande que a estrelinha se deixou pousar na areia fina e clara do fundo do mar, para melhor observar a graça de seus movimentos.

Foi amor à primeira vista!

O peixinho azul sentiu que tinha valido a pena ter nadado tanto e por tanto tempo, pois tinha encontrado, ali, naquela pequena e linda praia, sua companheira. A estrelinha, por sua vez, não cabia em si de contente. Sua alegria era tanta, que sua cor dourada parecia ouro e ela brilhava como suas irmãzinhas que viviam no céu.

Ela tinha estado ali naquela praia desde que nascera e sempre fora imensamente feliz. Tinha conhecido outros peixinhos que, no entanto, ficavam pouco tempo por ali. Mas naquele momento, tudo que desejava era ter nadadeiras também, assim poderia nadar em volta do peixinho azul e brincar com ele.

Como a estrelinha, apesar de ter movimentos lindos e suaves, só podia se deslocar por pequenas distâncias e ainda assim, ajudada pelo balanço das ondas, o peixinho azul decidiu imediatamente, que ficaria por ali, naquela praia, para permanecer ao lado da estrelinha dourada.

Passaram-se dias, meses de grande felicidade. O peixinho contava para ela tudo que havia visto pelo mundo e a estrelinha parecia ver tudo, tal era sua alegria. Faziam até planos para se mudarem para outra praia, próxima dali, onde o peixinho tinha visto uma pequena gruta que poderia lhes servir de casa.

Assim se passavam os dias, até que numa noite sem luar, em que o vento soprava muito forte, o mar ficou irritado e começou a balançar com tanta força, que começou a jogar a estrelinha dourada e o peixinho azul de um lado para o outro.

Era a primeira tempestade que os dois enfrentavam juntos e a estrelinha, assustada, apesar de todos os esforços que o peixinho fazia para segurá-la, acabou por soltar-se de sua nadadeira e, sem perceber o perigo, foi aproximando-se mais e mais da beira da praia. O peixinho gritava para que segurasse sua nadadeira, mas no meio daquela tempestade era impossível ouvir-se alguma coisa, além do mais a estrelinha achava que, segurando-se no peixinho, acabaria por arrastá-lo junto com ela.

E assim foi, até que uma onda mais zangada jogou a estrelinha na areia da beira da praia.

O peixinho, que tentava se defender das ondas, ficou distante olhando, aflito, percebendo que nada podia fazer, a não ser esperar que uma nova onda trouxesse sua estrelinha de volta ao mar.

Pouco a pouco, porém, o vento foi se suavizando e o mar foi se acalmando, a lua ressurgiu no céu, até que toda a paz de antes voltou a reinar.

Nem toda paz, porém, pois o peixinho azul ainda viu, quando uma leve brisa que insistia em soprar, afastou ainda mais a estrelinha da beira da praia até jogá-la em um pequeno lago que se formara com a tempestade.

Durante algum tempo, o peixinho ainda ficou a nadar por ali, na esperança de ver sua estrelinha dourada voltar para o mar, até que percebeu que isto era impossível, que nunca aconteceria.

Foi então, que começou a sentir uma coisa estranha, que nunca havia sentido antes, nem mesmo ouvido falar que outro bicho já houvesse sentido. Era alguma coisa que parecia vir bem lá do fundo dele e ia tomando seu corpo, em direção aos olhos.

Aquilo foi crescendo, crescendo, até que de repente ele sentiu que alguma coisa lhe caiu dos olhos.

Era uma lágrima. A primeira lágrima que o mundo conhecia.

E aquela primeira lágrima de saudade transformou toda a água doce do mar em água salgada.

Daí pra frente, os peixinhos nunca mais fecharam os olhos, na esperança de verem a estrelinha voltar para o mar.

E é por isso, que quando a gente olha para o mar, nas noites de luar, ele nos causa uma enorme sensação de saudade.

FIM

Last modified: Monday, 12 April 2021, 10:23 PM